Lugar de mulher é onde ela quiser

"Diziam para o meu pai que eu e minha irmã éramos os guris da casa"


Depois do casamento, Arilene e Pedro Pelisser estavam decididos a ter o primeiro herdeiro. Ter um filho é um passo natural para muitos casais após o casamento, mas no campo, tem outro significado: mais uma pessoa para ajudar nas tarefas. Para o casal, a vontade era de expressar o amor que sentiam um pelo outro e passá-lo adiante. A gravidez aconteceu e há 34 anos. nasceu em Caxambu do Sul, região Oeste de Santa Catarina, a primeira filha, Nádia.

Em muitos casos o desejo dos pais é ter um filho homem, pois a "mulher não tem a mesma força". Antes mesmo de nascer o destino da menina é ao lado da mãe, em casa. No caso de Nádia, seu sexo não determinou o que ela seria. Desde o primeiro momento os pais ficaram felizes, sem se importar com esse detalhe machista. A felicidade duplicou quatro anos depois, com a chegada de Deize. Mais uma menina para completar a família Pelisser.

Ainda pequenas, as irmãs aprenderam as tarefas impostas pela vida no campo que, muitas vezes, pela força exigida, eram atribuídas a homens. "O trabalho era braçal. Puxar pasto, milho, arrancar a mandioca e depois levar os sacos até em casa. Não tínhamos noção de que era um trabalho pesado pois era nossa realidade. Nos acostumamos", relembra Nádia. Ela conta ainda que os vizinhos falavam para seu pai que as filhas eram os guris da casa, pois trabalhavam como meninos.

Nádia e Deize sempre foram próximas ao pai, seu Pedro | Foto: Arquivo pessoal
Nádia e Deize sempre foram próximas ao pai, seu Pedro | Foto: Arquivo pessoal

A rotina, que já era puxada - pela manhã ajudar os pais, a tarde ir para o colégio e a noite continuar o trabalho - piorou quando o pai adoeceu. Um problema na coluna afastou seu Pedro da lida e de suas vacas. Ciumento em relação ao seu rebanho, Nádia explica que somente ele cuidava a produção de leite. "Ele sempre tratou bem os animais, pois sabia que com cuidado o desempenho delas seria melhor". O leite era a principal fonte de renda, mas depois do problema do pai, a família passou por uma época de vacas magras.

O comando da pequena propriedade passou para a mulher e as filhas, que precisaram aumentar a produção de queijos para conseguir pagar as contas. As mulheres da família Pelisser não são as únicas. O último levantamento da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMRA) apontou que em 2017, uma em cada três propriedades rurais do país tem mulheres ocupando funções de comando. Há cinco anos, o número era menor do que 10%.

O começo não foi fácil, tanto para elas quanto para o pai, que queria ajudar de qualquer custo. Ele era o homem da família. "Falamos para ele: ou você se aquieta, ou vai parar em uma cadeira de rodas". Durante alguns anos foi possível manter a produção em grande quantidade, mas o futuro sonhado pelas irmãs era diferente dos pais. Elas queriam estudar e deixar a produção para trás. As vacas foram vendidas e com algumas economias Nádia e Deize se mudaram para o centro da cidade.

 "Falamos para ele: ou você se aquieta, ou vai parar em uma cadeira de rodas", recorda Nádia.

Formada há oito anos em Administração e pós graduada em gestão estratégica, a administradora lembra com carinho dessa época. A partir da produção de leite e os ensinamentos do pai em como vender bem, ela abriu um negócio próprio. Hoje tem uma loja de confecção e ajuda os pais todo mês. O pai, agora melhor de saúde, tem duas vaquinhas, sua paixão. O leite produzido é para consumo próprio e os queijos são distribuídos para toda família. "Toda vez que abro a geladeira e vejo os produtos que meus pais produzem, penso em como eles estão agora. Os tempos de vacas magras deram lugar a aposentadoria e tranquilidade, graças ao trabalho em família e ao leite", finaliza.

A produção de leite fica só na lembrança da família, que agora vive na cidade | Foto: Arquivo pessoal
A produção de leite fica só na lembrança da família, que agora vive na cidade | Foto: Arquivo pessoal
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Juliane Bee - julianebee@unochapeco.edu.br
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